http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/138622-agencia-tradicional.shtml
NIZAN GUANAES
Agência tradicional
Não há nada mais velho que essa platitude de ficar chamando de velhas e tradicionais as coisas
Ninguém pode chamar Steve Jobs de sujeito tradicional ou convencional sob nenhum ângulo.
Steve Jobs foi um visionário, um indivíduo sempre fora da curva.
Assim como o Evangelho ou o Alcorão, Steve Jobs é citado ao bel-prazer do usuário. As pessoas citam Jobs conforme os seus interesses, mas quem ler sobre Steve Jobs de forma mais profunda verá que ele era um homem papo reto.
No quesito publicidade, por exemplo, conforme citado na biografia autorizada de Walter Isaacson, Steve Jobs teve um relacionamento estreito e passional com Lee Clow, da agência Chiat/Day. Nada de comerciais pré-testados e todo esse lero-lero de procedimentos, que produzem esse monte de comerciais chatíssimos a entupir nossa televisão.
Steve Jobs era parceiro enfurecido da Chiat/Day. Era colérico, desagradável, mas não submetia sua agência a esse mar de práticas emburrecedoras que os anunciantes mundo afora criaram para uniformizar suas comunicações e acabaram pasteurizando tudo.
É um modelo que chegou a tal ponto que as agências globais são chamadas pelos gerentes locais dos anunciantes pelo maravilhoso apelido de “bolsa família”, pois acabam pingando uma mesada mensal sem nada fazer, simplesmente nacionalizando seus comerciais.
O que digo é tão verdadeiro que, se sentarmos diante da TV, veremos que tudo o que sobressai, em geral, vem de clientes que, como Steve Jobs, fazem o “tradicional” de maneira não tradicional.
Steve Jobs fazia as coisas cartesianas de um jeito não cartesiano. Usou a tradicional coletiva de imprensa de uma maneira não tradicional. Fez das relações públicas tradicionais uma ferramenta revolucionária. Usou o design de maneira mais limpa, simples e pura. E foi um anunciante apaixonado a tal ponto de ter um dia por semana em que se dedicava, ele em pessoa, a ter uma relação direta com sua agência de publicidade.
Nesses dias, Steve Jobs, em pessoa, mostrava e explicava os novos produtos para as suas agências e os seus criadores. Jobs chegou ao ponto de fazer locuções de seus próprios comerciais.
É verdade também que o criador da Apple era cruel, berrava, distratava e fazia chorar, mas não submetia a agência Chiat/Day ao frustrante rito do pré-teste de comerciais que evita desastres, é verdade, mas corrói todo tipo de frescor e emoção.
Portanto não é a propaganda tradicional que não funciona. A propaganda funciona, e muito. O que não funciona é o tradicional, e mesmo assim o termo tradicional é uma inverdade, pois não foi essa publicidade tradicional que Petit, Duailibi e Zaragoza lançaram ao Brasil e que a DM9 consagrou em Cannes. Não foi essa coisa pastosa e monocromática que fez a Chiat/Day ser a Chiat/Day no passado e que faz a Wieden + Kennedy ser a Wieden + Kennedy hoje.
E isso diz respeito ao comercial de 30 segundos, ao vídeo de internet, ao post, ao que for.
As coisas não são atavicamente tradicionais, somos nós que temos a capacidade de rejuvenescer o velho e envelhecer o novo.
Veja a Dudalina usando a mídia impressa (“mídia tradicional”) para construir de maneira magistral a sua marca. Veja a Hyundai dominando o meio jornal (“mídia tradicional”) para construir o “look of the leader” que ela tem.
Portanto, não há nada mais velho que essa platitude de ficar chamando de velhas e tradicionais as coisas. O kaiser Karl Lagerfeld se reinventa a cada coleção refrescando sua marca clássica e escondendo sua própria idade.
Portanto, fica a dica para os CEOs das empresas: um convívio mais próximo, mais parceiro e mais carnal com suas agências é uma zona de oportunidade com ganhos milionários, como nos mostra o convívio histórico de Steve Jobs e Lee Clow.
NIZAN GUANAES, publicitário e presidente do Grupo ABC, escreve às terças-feiras, a cada 14 dias, nesta coluna.