Cinema apesar da imagem problematiza as telas, justamente as telas, tão presentes e afirmativas de seu formato mais hegemônico. Mas não se trata de lamentar a tela, muito menos a imagem. É o cinema sim, ou os fragmentos de sua constante expansão, flertando com outras possibilidades, esbarrando na vida. É a constatação de que não são mais apenas nas salas escuras, ocupadas por um público que compartilha cumplicidades tácitas, que o cinema acontece.
Há uma sugestão nas entrelinhas, de que libertar a imagem de suas molduras, a faz circular para além das convenções. Mas seria uma suposição simplista. O que aqui se reflete no ler e no imaginar (no fechar dos olhos, talvez) é um alargamento de linguagens, um diálogo geopolítico, a expansão de uma rede, em perspectivas que apontam não apenas para o visual, mas também para o textual, o interativo, o participativo, o sensorial, o portátil, o tempo real, o continuum das imagens.
Se um dos estigmas do cinema são suas crises anunciadas, há outras perspectivas latentes: num cinema como evento, no imbricamento entre processos (técnicos, logísticos, sensíveis), na engenharia de dispositivos, na reinvenção da gestualidade, em uma experiência cotidiana através das imagens — inclusive nas viagens promíscuas que o digital engendra —, que podem permitir ao espectador alguma experiência incomum em nosso momento contemporâneo. E se a disputa pelos modos de ver o mundo é um dos embates sensíveis da atualidade, a iniciativa (este livro e os acontecimentos que o gestaram) nos convence da importância de adensar debates e explicitar articulações, reconhecendo diferentes entendimentos sobre a tela e uma diversidade de expressões para além dela. As muitas ameaças ao cinema parecem fazê-lo cada vez mais onipresente, potente e múltiplo.
Lucas Bambozzi