Cena do documentário Surplus, de Erik Gandini: o filme legendado em Português está disponível no YouTube.
“Logo eu que nunca fui muito afeito a normas, me apaixonei por uma” (Paulo Leminski, Agora é que são elas)
Palestra no Híbrida sobre Subversão dos Meios, disponível integralmente no YouTube.
O tema da transgressão aparece num dos artigos que estou compilando para um livro que reúne textos inéditos (ou quase) dos últimos 10 anos. É uma passagem por 3 formas de entender a transgressão: na linguagem, no comportamento e na política. A seguir, alguns trechos que vão ser importantes como contexto para a apresentação de exemplos do audiovisual e da arte contemporânea que buscam os desvios das normas, as rupturas de expectativas, a fuga aos padrões.
# 1 os homens e seus desejos coletivos :: o homogêneo e o heterogêneo
“In its ordinary sense the word “crowd” means a gathering of individuals of whatever nationality, profession, or sex, and whatever be the chances that have brought them together. From the psychological point of view the expression “crowd” assumes a quite different signification. Under certain given circumstances, and only under those circumstances, an agglomeration of men presents new characteristics very different from those of the individuals compositing it. The sentiments and ideas of all the persons in the gathering take one and the same direction, and their conscious personality vanishes.
Gustave Le Bon, The Crowds; Study of the Popular Mind, loc 181
#2 subversão dos padrões cotidianos :: o dia em que Rousseau foi morar numa ilha
“A transgressão comportamental está na esfera das ações que — segundo o escritor francês Georges Bataille — não negam o tabu mas o transcendem e o completam (cf. Bataille, Georges. “Trangression”. In: Erotism. Death and Sensuality. San Francisco: City Lights Books, 1986. p. 63). O tabu, nesse contexto, é muitas vezes entendido como uma forma primitiva da lei. Conforme demonstrado por Freud em Totem e Tabu, este último põe em relevo “uma necessária função que a religião cumpre ao consolidar a construção propriamente humana, a cultura” (cf. Xavier de Menezes, José Euclimar. “Culpa: instrumento mnemônico”. In: Fábrica de Deuses. A Teoria Freudiana da Cultura. São Paulo: Unimarco, 2000). Nesse contexto, transgredir é desviar em direção ao que a cultura não aceita como norma, àquilo que os homens proibem justamente por sabê-lo demasiadamente humano.
# 3 subversão da linguagem :: os imãs que geravam imagens
A trangressão de linguagem acontece no domínio do que Chlovski chamou de estranhamento. Em A estratégia dos signos, Lucrécia D´Alessio Ferrara explica como a “teoria de Chklóvski que se apóia na ação de estranhar o objeto representado procura transpor o universo para uma esfera de novas percepções que se opõe ao pesa da rotina, do hábito, do já visto.” Nesse contexto, continua a autora, o “produto difuso, oblíquo, é um obstáculo à comunicação, é uma contracomunicação que se torna mais difícil e, por isso mesmo, mais fértil a percepção que o receptor passa a ter do universo”. Ao passo que a transgressão conforme definida pela psicanálise implica em um desvio semântico, o estranhamento é antes uma operação sintática. Por isso, afirma Ferrara, “antes de preocupar-se com o receptor, Chklóvski estará preocupando-se com a natureza do ato criativo como aquele modo de formar capaz de inibir a atrofia mental e impedir as percepções automáticas e automatizantes.” (cf. Ferrara, Lucrécia D´Alessio. A estratégia dos signos. São Paulo: Perspectiva, 1981. pp. 33-5)
# 4 subversão política :: a mulher que derramou lágrimas subterrâneas
Segundo José Paulo Paes, Henri David Thoureau cultivava uma “irônica descrença em relação às utopias tecnológicas”. O conceito de desobediência civil propõe práticas sistemáticas de desvio consciente das normas vigentes, o que o aproxima do tema discutido hoje. Seu pensamento não se restringiu aos livro, o que o levou à prisão por se negar a pagar seus impostos, alegando que o dinheiro estava sendo usado pelo governo dos Estados Unidos para financiar um regime escravagista e em guerra com o México com o qual ele não concordava. Esse episódio o leva à redação do famoso ensaio Desobediência Civil, em que afirma que leis injustas existem e pergunta: “devemos contentar-nos em obedecer-lhes ou empenhar-nos em corrigi-las; obecer-lhes até o momento em que tenhamos êxito ou transgredi-las desde logo? Em governos como o nosso, os homens, de modo geral, pensam que devem esperar até o instante em que tenham logrado persuadir a maioria a alterá-las. Pensam que, se lhes resistissem, o remédio seria pior que o mal. Mas é culpa do próprio governo o remédio ser pior que o mal. Ele o torna pior. Por que não se mostra mais apto no antecipar e aplicar reformas? Por que não trata com carinho sua judiciosa minoria? Por que não protesta e resiste antes de ser ferido? Por que não encoraja seus cidadãos a alertamente lhes apontarem as faltas e a procederem melhor do que eles lhe ordena? Por que sempre crucifica Cristo, excomunga Copérnico e Lutero e declara Washington e Franklin rebeldes?” Nesse caso, a trangressão acontece pelo desejo explícito de modificar as normas, diante de leis que regulamentam comportamentos conduzidos por políticos muitas vezes em desacordo com a consciência dos eleitores que os escolheram como representantes.