Coisas que tem comportamentos (e objetos que não restringem-se apenas à sua materialidade)
Outro aspecto que passa ser explorado pelas vanguardas do início do século XX é a movimentação de estruturas. Raumbhne, de Frederik Kiesler “was conceived as the heart of Kiesler ́s Railway Theater — his concept for a modern theater. In response to contemporary life becoming increasingly dynamic, in Kiesler ́s concept the architecture sets itself in motion; so at the beginning of the performance, the auditorium orbits about the levitating stage.”
http://www.medienkunstnetz.de/works/raumbuehne/
Mudar o funcionamento das coisas é um procedimento recorrente nas vanguardas do início do século, que definem o campo expandido em torno da pesquisa com as relações entre as diferentes linguagens e suas materialidades (na linha do que o pensamento da época também começa a desenvolver, por exemplo nos estudos de iconologia de Aby Warburg ou nos escritos de Walter Benjamin sobre as relações entre tecnologia e cultura).
São autores que operam o movimento complexo (na época talvez coubesse melhor o termo “dialético”) em que os contornos físicos, as características objetuais, os limites que as peças e engrenagens impõe ao funcionamento dos aparelhos, a maneira como o arranjo entre os componentes define o teor e os procedimentos de uma construção ou dispositivo, são ao mesmo tempo determinantes e insuficientes. Conforme a síntese precisa de Alain Michaud:
“Quando renunciamos a definir o dispositivo cinematográfico a partir de determinações materiais do filme a partir de determinações materiais do filme, como a conjunção do suporte em celulóide flexível com a perfuração e as emulsões rápidas, para ver nele, de maneira mais original e mais ampla, o estabelecimento de uma relação conceitual entre a transparência, o movimento e a impressão, então vemos aflorar no campo do cinema categorias idênticas às que Warburg usou na história da arte.”
Este tipo de pensamento só poderia surgir num momento em que há um foco grande na representação do movimento.
Nas primeiras fotos de Daguerre os elementos da imagem que deslocam-se, no intervalo do clique, perdem registro. A incapacidade que o final do século XIX demonstra em representar o movimento certamente é um dos propulsores em torno da inquietação a respeito das formas de produzir objetos dinâmicos ou projetar imagens que se movem diante dos olhos.
O caminho lógico feito das pesquisas de Daguerre às de Thomas Edison, entre outros, aumenta a potência “anestesiante” que autores como Panofsky ou Manovich atribuem à crescente capacidade de forjar duplicatas do real por meio de mecanismos de representação cada vez mais potentes (a perspectiva, a fotografia, o cinema, a realidade virtual, etc).
Black Maria, o estúdio de William K L Dickson
William K L Dickson: The Sneeze
Já as vanguardas buscaram representar o movimento em um contexto de desconstrução desta relação sedutora entre aquilo que se representa e as formas de multiplicá-lo em linguagem. Um bom exemplo deste tipo de pesquisa em que mudar a forma dos objetos implica em esticar o campos das linguagens em direção a vocabulários que de outra forma continuariam inexistentes é a criação de instrumentos, na época. A exposição Generation Z — Re/noise é uma mostra recente que adquiriu importância por ter refeito instrumentos desenvolvidos pelos pioneiros da arte sonora na Rússia, no início do século XX: http://www.transmediale.de/content/generation-z-renoise-russian-pioneers-of-sound-art-and-musical- technology-in-the-early-20th-
Além do mais conhecido Theremin, o país legou todo um repertório de instrumentos musicais que exploram sonoridades ruidosas, rítmicas, ásperas, e contribuem para gerar um repertório inusitado que ajuda a redirecionar os rumos do pensamento musical do modernismo em diante.
Luigi Rusollo: Serenata per intonarumori e instrumenti https://www.youtube.com/watch?v=8GpN5FHO60c
Este caminho de desconstrução do movimento também leva a exercícios de desconstrução da relação especular entre o público e sua própria figura, algo que ganha novos tons em um momento da cultura em que os selfies se tornaram uma forma bastante popular de expressão. Um exemplo contundente é a instalação Live-Taped Corridor, de Bruce Nauman — a primeira de uma série de obras em que o artista vai explorar as possibilidades dos circuitos fechados de vídeo, uma
Bruce Nauman «Live-Taped Video Corridor» In the closed-circuit installation «Live/Taped Video Corridor», a study from the Performance Corridor work group, Nauman set two monitors above one another at the end of a corridor almost ten meters long and only 50 cm wide. The lower monitor features a videotape of the corridor. The uppermost monitor shows a closed-circuit tape recording of a camera at the entrance to the corridor, positioned at a height of about three meters. On entering the corridor and approaching the monitors, you quickly come under the area surveyed by the camera. But the closer you get to the monitor, the further you are from the camera, with the result that your image on the monitor becomes increasingly smaller. Another cause of irritation: you see yourself from behind. Moreover, the feeling of alienation induced by walking away from yourself is heightened by your being enclosed in a narrow corridor. Here, rational orientation and emotional insecurity clash with each other. A person thus monitored suddenly slips into the role of someone monitoring their own activities. (source: Dörte Zbikowski, in: Thomas Y. Levin (ed.), CTRL[SPACE]. rhetorics of surveillance from Bentham to big brother, ZKM | Center for Art and Media, Karlsruhe 2001) http://www.medienkunstnetz.de/works/live-taped- video-corridor/
tecnologia usada principalmente com fins de vigilância, para desenhar percursos que embaralham as expectativas
de um público colocado diante de câmeras que, ao invés de multiplicar sua imagem, invertem seu percurso, a deslocam ou propõe tramas de deslocamento inesperadas entre várias monitores e salas.
Naumann: Going Around the Corner Piece
Ao mesmo tempo, o universo das máquinas passa a ser deslocado. Se inicialmente as máquinas eram celebradas como propulsoras do movimento, elas passam a ser tratadas a partir de um viés mais apocalíptico e negativo, conforme as cidades revelam os efeitos noir que a poluição e urbanização descontrolada são capazes de gerar. A representação da cidade, aliás, sempre foi feita de forma distópica e os discursos às vezes exageradamente celebratórios de certas vanguardas do início do século tem um ingrediente ingênuo e celebratório. Esta relação que oscila entre o fascínio, a decepção e o temor da máquina perdura durante o século, como é possível perceber uma obra como Homage to New York.
http://www.moma.org/collection/object.php?object_id=81174
“Jean Tinguely was asked in 1960 to produce a work to be performed in the Sculpture Garden of the Museum of Modern Art in New York. In collaboration with other artists/engineers, among them Billy Klüver and Robert Rauschenberg, he produced a self-destroying mechanism that performed for 27 minutes during a public performance for invited guests. In the end, the public browsed the remnants of the machine for souvenirs to take home. This hommage to the energy of a city that keeps rebuilding itself time after time is a wonderful example of the different and sometimes conflicting conceptions of artists and engineers on how machines should work–and as such an early collaborative effort that foreshadowed the events staged by E.A.T.—as well as a document on the 60s with the rise of happening and performance.” (http://www.medienkunstnetz.de/works/homage-to-new-york/)
Um aspecto desta presença do movimento como um dos topos e procedimentos centrais do século XX é a forma como as cidades passam a se redesenhar, conforme discutido em http://www.artemov.net/revista.php? idRevistaEdicao=2&page=1. As cidades acabam se tornando espaços de imobilidade, inviabilizando a utopia situacionista em torno das derivas através das dificuldades cada vez maiores que impõe à locomoção de seus habitantes.
Oracle, Robert Rauschengerg.
http://www.dailymotion.com/video/xv8mxw_art-session-oracle-de-rauschenberg_creation
“Robert Rauschenberg’s Oracle (figure 1.8) has had its tech- nology updated three times over thirty years, but its materiality and cultural meaning remain unchanged. Cultural obsolescence need not occur at the same rate as technological obsolescence.
Perhaps the “object” can locate the electronic in the social and cultural con- text of everyday life. It could link the richness of material culture with the new functional and expressive qualities of electronic technology.” (Dunne, p. 19)
Vídeo com aula de Antonhy Dunne: https://vimeo.com/37557758