As câmeras definem o que é visto na tela: a conversão do espaço existente em um recorte bidimensional, por meio da perspectiva (em ortogonais que projetam a imagem na direção de um eixo Z imaginário); o registro das luzes e matizes através de lentes e espelhos (que estabelecem valores óticos para as áreas de claro e escuro e tingem os elementos com cores); a capacidade de reproduzir mais ou menos detalhes e abranger uma área maior ou menor de foco. Estes elementos descritos acima são definidos pela relação entre o sensor e as lentes da câmera (lembrando que neste curso, as referências serão sempre as câmeras DSLR). O tamanho do sensor, o tipo de objetiva e a maneira com os dois interagem para construir o quadro, vão resultar na amplitude lateral e na profundidade de campo da cena, que em linhas gerais definem tanto o conjunto do que será visto quanto os elementos de maior prioridade e os secundários (definidos não apenas por sua posição na cena, mas também por fatores com a luminosidade relativa entre os elementos em quadro, e os pontos de foco e desfoque).
O controle da relação entre o sensor e as lentes, nas câmeras DSLR, define as possibilidades de enquadramento |
Diante deste escopo de imagens possíveis, a operação da câmera permite pensar o enquadramento em função das seguintes variáveis: o que aparece em quadro? De que ponto-de-vista? Como os elementos mostrados se relacionam com elementos implícitos (fora de quadro)? Que abordagem (subjetiva, objetiva, ponto-de-vista) certa imagem vai oferecer? Para não tornar a questão muito complexa, neste primeiro momento só o enquadramento será discutido, mas como já foi sugerido acima, questões de contraste, registro da luz e representação das cores também são definidores das cenas.
A abordagem mais conhecida dos tipos de enquadramento, pela proximidade do planos, serve como princípio geral. Mas ela é mais útil para pensar imagens estáticas que imagens em movimento. Nas cenas filmadas, tanto a ação que se desenrola diante das lentes quanto a movimentação da câmera tornam mais complexas as escolhas e resultados.
Esta tabela, que combina diferentes fontes e algumas ideias próprias, busca uma síntese dos diferentes elementos a serem levados em conta em termos de posicionamento e movimentação da câmera (inclusive pensando nas formas mais abrangentes e flexíveis que a atual diversidade de formatos permite): link dropbox (apenas alunos matriculados).
A seguir, uma série de exemplos, primeiro pinçados da história da fotografia, e depois retirados desta lista de cenas formulada pela Film Studies 101, servirão de pontos de partida para pensar um pouco mais a respeito do problema da representação do espaço e do tempo diante das câmeras. No caso da lista do Film Studies 101, será feito um recorte em função dos custos e dificuldades técnicas, privilegiando tipos de cena mais coerentes com situações de menor orçamento. Parece abstrato, mas se existe algo em comum entre os filmes mais diferentes entre si que se possa imaginar é a existência de um espaço (existente, imaginário, inverosímel, absurdo, ilógico), onde se passam acontecimentos (isto já é assunto para outro curso, mas vale observar que o termo, emprestado de Deleuze, aponta para um modo mais abrangente de pensar o audiovisual, para além dos filmes mais tradicionais e modos de filmar e montar mais convencionais).
O conceito semiótico de narrativa oferece uma explicação teórica que permite entender de forma bastante ampla o que se desenrola diante de uma câmera. Simplificando um pouco, pois aqui interessam mais os princípios gerais que a terminologia e os meandros teóricos, Greimas considera que existe narrativa toda vez que há mudança de estado. Por exemplo, num espaço abstrato constituído de linhas brancas paralelas sobre um fundo preto, há narrativa sempre que, na passagem de um quadro para outro, acontecer uma mudança na posição das linhas. Os acontecimentos desta narrativa são a velocidade dos deslocamentos, os modos de alternância das configurações possíveis — as linhas somem? ou mudam de posição? ou perdem o paralelismo e depois se alinham de novo? Ao longo dos exemplos que serão apresentados do semestre, esta dissociação entre narrativa e contar história será importante, especialmente para entender as obras de cinema experimental e videoarte. |
O tempo, sugerido em imagens estáticas
Parece razoável pensar que a fotografia, como imagem estática, congela recortes do mundo em momento estáticos (inferindo disso que o congelamento do tempo pode resultar num privilégio do espaço representado). Mas as melhores fotografias sugerem a passagem do tempo, e muitas vezes os ângulos escolhidos, assim como características óticas e recursos deliberados enfatizam o caráter temporal dos acontecimentos fotografados. Esta capacidade da fotografia de sugerir num único “quadro” algo que se desenrola desde antes, e continua depois do clique diante do momento fixado, fornece um repertório precioso para pensar o enquadramento de cenas filmadas com imagens em movimento. Por isso, no roteiro a ser apresentado em sala no dia 12 de Abril, um dos alunos vai ficar responsável por incluir uma tabela com fotos que definem o enquadramento “base” de cada cena (as imagens serão feitas em formato RAW, para também servir de referência para o desenvolvimento de um preset de câmera; o grupo pode ou não optar por criar um preset, em todo caso o processo será apresentado na aula dedicada a questões de direção de fotografia).
O espaço, apresentado em imagens em movimento (numa rara experiência de quarta dimensão)
Compilação de Cenas
tomadas aéreas (externas) e câmera a pino (internas)
com o surgimento das câmeras portáteis com controle remoto e dos drones, reduziu bastante a dificuldade e o custo de filmar cenas áreas ou tomadas com a câmera suspensa em alturas menos comuns; os quatro exemplos escolhidos apontam para situações bem distintas, que dão uma ideia da diversidade de abordagens que vai se tornando possível conforme surgem mais câmeras, com custos e perfis diferentes: o uso de cena aérea numa super produção musical, o uso de uma câmera a pino que se beneficia da locação e um videoclipe filmado com Drones (em certo sentido, também uma super produção), e o uso de câmeras de vigilância de um Shopping Center.
Plano de “estabelecimento” (localização do contexto): zoom “aéreo”. Corte para um plano médio da personagem. Longo plano seqüência leva ao acontecimento principal: a dança nas árvores da floresta. Numa estranha quebra de continuidade espacial, a personagem sai para a direita do quadro e retorna no centro da tela (planos sem encadeamento formal, o tipo de coisa que provavelmente fez Deleuze observar como os musicais fogem ao cânone da narrativa clássica) | As cenas depois do tiroteiro, no final de Táxi Driver |
giro | ||
https://www.youtube.com/watch?v=vXCkYqofuqE |
zoom out (como montagem espacial) | ||
O início de Cidadão Kane: a câmera parte do menino que adiante será o personagem principal do filme, num zoom out que leva à sua família e à conversa que vai disparar o primeiro momento da narrativa (a decisão de levar o menino para estudar fora), num plano que explora a janela como elemento que constrói uma narrativa paralela pela espacialização da tela obtida pelo foco “profundo”, que deixa praticamente todos os elementos em quadro visíveis. |
Dolly Zoom
Tubarão.
Subjetiva de Chief Brody vendo um menino sendo atacado pelo Tubarão.
Este tipo de relação paradoxal entre a aproximação física da câmera e o afastamento do zoom (ou vice-versa) foi inventado por Hitchcock, e muita gente costuma chamar o recurso de Vertigo Effect.
Câmera na Mão
Cena da Briga na Mesa de Sinuca, em Caminhos Perigosos (Scorcese)
Pan
Cena do Estúdio de Jack Terry, em Um Tiro na Noite, de Brian de Palma
Planos Seqüência
https://www.youtube.com/watch?v=dvQ3iA59w7cOs
3m20s de abertura de A Marca da Maldade.
https://vimeo.com/92541091Claude LeLouch, RendezVoushttps://www.youtube.com/watch?v=ZD0_5HFMPIg
Contact (A cena do espelho)
http://www.steadishots.org/shots_detail.cfm?shotID=155
Câmera Chicote
O começo de Chumbo Grosso. Movimentos laterais tão rápidos que a câmera borra a imagem.
Zoom
A conversação, de Francis Coppola
Wavelenght, de Michael Snow
Incluir cena final de Stefan Zweig: Farewell to Europe (plano organizado pelo espelho, que se movimento até refletir o contraplano e depois divide a cena em dois)
Steadycam
Kill Bill
http://www.steadishots.org/shots_detail.cfm?shotID=55
360º
http://www.3ders.org/articles/20140407-create-a-video-shot-using-6-gopro-cameras-and-3d-printing.html
Thermal Images
Wim Wenders, Land of Plenty
https://vimeo.com/42144890https://www.youtube.com/watch?v=I3mIxtyE_EI
A Camera Drama
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