a discussão da modernidade deve abarcar o século XIX, deixando de ser assimilada automaticamente à auto-imagem modernista.
annateresa fabris, em figuras do moderno (possível)
Talvez as pontes e viadutos sejam uma das primeiras interfaces modernas que chegamos a conhecer. As pontes ligam áreas distantes, e assim aproximam diferenças. Através da ponte, o que não pertencia a uma área da cidade pode habita-la, quem foi excluído de um lugar cruza para dentro dele. As pontes são elos. O termo inglês link, usado para descrever a ancora que liga um documento a outro, na Internet, pode ser traduzido por elo. De forma sintética, como Kubrick faz um osso virar nave espacial, numa das cenas iniciais de 2001 — Uma odisséia no espaço, as pontes sugerem uma ligação entre o século XIX e o século XXI. A ponte como um hardware que liga áreas contíguas mas antes desconectadas. O século XIX como intuição de um mundo em que os softwares ligam coisas (e estimulam ligações entre pessoas que não se conheceriam de outra forma).
Não é por acaso que um dos textos importantes a respeito do século XIX, momento em que os urbanistas detectam uma crescente importância das pontes na forma de organizar as cidades, se inscreve justamente sobre o tema das passagens. Em Passagenwerk, Benjamin parece adivinhar a centralidade crescente que os espaços de trânsito passam a ter, num mundo que vai se especializando, de certa forma, em construir pontes: como se ligar por viadutos o centro e a periferia das metrópoles na época nascentes (Londres, Nova Iorque, São Paulo com certa defasagem) disparasse um processo de aproximar culturas que não se pertencem, constituir redes de comunicação de complexidade cada vez maior, atenuar a dureza das fronteiras, esticar o campo das heterogeneidades, recusar a rejeição às minorias. Não sem antes sofrer as conseqüências trágicas das reações irracionais que mostram a face terrível de uma Europa incapaz de lidar com as heterogeneidades do mundo de maneira razoável, o que resulta no extermínio de diferenças que moveu a segunda grande guerra (sugestão de leitura para quem se interessar pelo assunto).
O século XIX parece estabelecer os alicerces do modo de viver em trânsito típicos dos dias atuais: McLuhan pensa numa aldeia global; Flusser sugere um mundo em que a casa passa a perder sentido (sua dureza, sua fixidez) e talvez seja melhor voltar a viver em tendas (sua leveza, sua mobilidade); mais recentemente Patrick Lichty propõe uma cultura nômade associada ao uso crescente de dispositivos portáteis em rede. Também há aspectos distópicos deste retorno à mobilidade, como a bela foto de Mustafah Abdulaziz de crianças em jornada pelo deserto em busca de água sugere. O próprio Abdulaziz sugere um outro aspecto do mundo atual que impõe a necessidade de deslocamento constante: “à medida que a população mundial cresce e mais pessoas passam a viver em cidades, nossa dependência de água doce, cada vez menos disponível, transformará a forma como vivemos”. Quem vive em São Paulo que o diga.
INSERIR FOTO
Um dos aspectos que permite tomar as pontes, e sua associação com o tema mais amplo das passagens, como uma chave para entender os processos que tornam o século XIX tão significativo para entender o mundo atual, é o interesse de artistas e escritores como Van Gogh, T. S. Eliot ou Oswald de Andrade por pontes e viadutos — algo que vai se mantém até os dias atuais. As pontes foram pintadas por artistas, pensadas por urbanistas, versada por poetadas, filmadas por cineastas, se tornaram suporte de instalações, tela de projeções e foram cantadas por bandas de rock. Aliás, a peça da guitarra que prende as cordas ao corpo recebe o nome “ponte”, assim como o conjunto de acordes que leva de uma parte a outra de uma composição musical.
Os rumos que a associação entre pontes, passagens e interfaces parecem ser potencialmente infinitos, o que pode ser bastante útil durante o semestre, quando for o momento de trabalhar a partir do tema das interfaces no desenvolvimento dos projetos práticos da disciplina. Não é o caso de extender o tema, para não perder o recorte proposto de discutir como o século XIX estabelece as bases para a cultura atual marcada por uma multiplicidade de dispositivos e redes, mas talvez nem seja completamente sem sentido dizer que há algo da lógica das interfaces nos trompe l’oeil de Vermeer ou num quadro como As Meninas, de Velazquez. São imagens que indicam um certo desejo de romper com os limites da tela, ou envolver o observador no acontecimento apresentado, que antecipam a constituição de um observador privilegiado ou participativo que só surgirá com força na arte contemporânea (conforme será discutido de forma mais detalhada no tema janelas estilhaçadas: videoinstalação, cinema expandido e ambientes interativos como espaços de participação).
Por este motivo, tratar de viadutos e dos vários sentidos que atribuímos às pontes, discutir como elas surgem na literatura, na música e na arte, sobretudo como elas deixam de ser temas de livros, músicas e quadros, para se tornar suportes de instalações e projeções, também permite entender o escopo amplo de temas que serão desenvolvidos durante o semestre. As linguagens multimídia e intermídia, que estabelecem as bases para a atual cultura em rede, são uma das conseqüências deste interesse crescente por estruturas que combinam duas características inerentes às pontes e viadutos: são resultado de um saber tecnológico e permitem estabelecer elos. Uma interface é algo que permite conexões, que põe coisas em contato. Uma interface, neste sentido, é um dispositivo que faz a ponte entre homens e máquinas.
Mesmo que sejam ligações absurdas, do tipo que Foucault — no ensaio dedicado a Philippe Sollers, Distância, Aspecto, Origem, atribui à definição de Parque feita por Rousseau: “um lugar onde todas as coisas se encaixam, exceto o conjunto”.
Podemos começar com Oswald de Andrade, ele que começou tanta coisa. Em Um Homem sem Profissão, o poeta da antropofagia mostra como São Paulo era pequena e provinciana, antes do impulso urbanizador que muda cidade de forma impensável, no intervalo de um século — imaginem que a cidade que hoje tem em torno de 12 milhões de habitantes virou o século XIX para o XX com 240.000 vivendo em seu território, conforme o Histórico Demográfico do Município.
“São Paulo era uma cidade pequena e terrosa. Pouca gente. Um ou outro sobrado de um só andar.
Em frente à nossa casa havia um açougue que nos acordava pela madrugada com o barulho da machadinha picando a carne. Morava do outro lado o Manuel, molequinho italiano, filho da viúva Madama Paula, que minha mãe recolhia para vir brincar comigo em casa, nos salões dos quartos.
Nenhuma condução mecânica. Carros e tílburi que se juntavam no Largo da Sé, em frente à igreja, muito mais próxima do que a atual cadeiral e muito mais bonita. Aí dentro consumavam-se grandes cerimônias, onde apareciam dezenas de cônegos, de vermelho. Cantavam grosso. No teto havia uma espécie de litografia monumental. Um guerreiro, apeado de um cavalo branco, olhando o céu que se abria. Me explicaram ser a Conversão de São Paulo.
A Rua Barão de Itapetininga era pacata e doméstica. Aí moravam famílias conhecidas de casa, o velho dr. Freire, diretor do Ginásio do Estado que ficava longe, na Luz, em frente à estação de trem de ferro. O dr. Seng, médico de barbas. Seu Figueiredo, do Banco. As pessoas ficavam conversando nas janelas e sentadas nos jardins.
O viaduto mirrado, de ferro, ligava o bairro onde morávamos ao centro da cidade, à Rua Direita, por onde se ia à Sé. Por debaixo da estreita ponte, floriam canteiros de lírios na chácara enorme da Baronesa de Tatuí. Havia estudantes no Largo de São Francisco, onde se erguia um casarão conventual que era a Faculdade de Direito.”
Vista da Rua Barão de Itapetininga na direção do Viaduto do Chá (Google Earth)
Viaduto do Chá e arredores / São Paulo — em Architecture of Brazil 1900 – 1990, de Hugo Segawa
http://bit.ly/10pEnKD; ver também: Como se Fez o Viaduto do Chá (Veja São Paulo – Especial IV Centenário) http://abr.ai/YT77sC.
As casas térreas, o silêncio noturno (que torna o som da machadinha em um açougue audível), a intimidade com os vizinhos, a ausência de condução mecânica, o protagonismo da igreja. Não são poucas as coisas ditas neste trecho de Um Homem sem Profissão, sobre uma São Paulo ainda incapaz de adivinhar seu modernismo, seus poetas concretos, seus artistas cinéticos, suas bienais polêmicas, suas intervenções urbanas, suas experiências telemáticas, seu punk ríspido, sua arte heteróclita, seu mercado descontrolado. Vale o exercício de imaginar o que era São Paulo, ontem e hoje — no que ajudam estas fotos publicadas num aplicativo “antes e depois” no portal Terra: http://www.terra.com.br/noticias/infograficos/sao-paulo-antes-e-depois/foto5.htm.
Em A carroça, o bonde e o poeta modernista, Roberto Schwarz descreve esta São Paulo, que agora aparece nos versos de pobre alamária, através de uma figura de sobreposição de tempos, uma construção importante por evitar a ideia de atraso em relação ao centro do capitalismo (tornando possível pensar defasagens, sobreposições, intersecções entre tempos que remetem aos modos como campo e cidade se relacionam durante boa parte da modernidade): “A cidade em questão é adiantada, pois tem bondes, e atrasada, pois há uma carroça e um cavalo atravessados /…/ A vitória do bonde é inevitável, mas como a diferença entre os antagonistas não é grande, e a familiaridade de suas presenças é igual, o enfrentamento guarda um certo equilíbrio engraçado. Espero não forçar a nota imaginando que, no espaço exíguo do cromo da província, algo do empacamento de uma parte se transmite também a outra” (p. 15).
Há nas pontes, um espaço liminar, interstício entre duas partes que sendo distantes todavia nem se excluíam por completo nem vão se unir, tampouco uma substituirá a outra. Apesar de fisicamente as pontes ligarem dois lugares, no campo simbólico eles estabelecem sobretudo intersecções.
Em Brücke und Tur, Simmel trata do aspecto intersticial deste conjunto de estruturas que os homens foram inventando para unir e separar espaços: “A Porta representa de maneira decisiva como o separar e o ligar são apenas dois aspectos de um mesmo e único ato. O homem que primeiro erigiu uma porta ampliou, como o primeiro que construiu uma estrada, o poder especificamente humano ante a natureza, recortando da continuidade e infinitude do espaço uma parte e con-formando-a numa determinada unidade segundo um sentido”. Já as pontes tem dois (senão mais) sentidos: elas levam do centro à periferia, e vice-versa. Em São Paulo, não é incomum ouvir as pessoas dizerem que moram do lado de cá ou do lado de lá dos rios que que circunscrevem o centro expandido da cidades, e seus arredores. Há um fluxo significativo de pessoas cruzando as pontes que levam de um área a outra, todos os dias. Isso tornou-se comum a ponto de não ser mais percebido.
Como eram incomuns na época, as pontes assumirem certo protagonismo no imaginário do século XIX, indicando que os escritores e artistas da época começavam a ser afetados pelos processos de urbanização e uso cotidiano de dispositivos mecânicos, de maneira como não havia acontecido até então. Além de Argan, em seu livro sobre a história da arte como história da cidade, o teórico das mídias alemão Kittler também trata do tema, em seu conhecido livro Gramophone, Film, Typewriter. Ele mostra — ao eleger as mulheres como fontes da linguagem poética, no contexto de constituição das redes discursivas que se estabelecem sob efeito daquilo que no século XIX eram novas tecnologias — como “a máquina de escrever endereça a nova, tecnologicamente implementada, materialidade da escrita que não se presta mais à metafísica” (nas palavras dos tradutores do texto para inglês, Geoffrey Winthrop-Young e Michael Lutz).
Kittler também identifica um processo que será importante de discutir durante o semestre, de crescente importância das linguagens não-verbais na cultura urbana: “Two of Edison’s developments-the phonograph and the kinetoscope-broke the monopoly of writing, started a non-literary (but equally serial) data processing, established an industry of human engineering, and placed literature in the ecological niche which (and not by chance) Remington’s contemporaneous typewriter had conquered. ”
O ritmo das máquinas de escrever e a geometria das metrópoles passa a ditar uma outra velocidade da vida, perceptível na forma como as pessoas passam a percebem as durações que afetam seus corpos e definem os ritmos do seu funcionamento. Trata-se de um processo análogo ao que aconteceu com o surgimento do relógio, durante a revolução industrial. George Woodcock trata do tema, quando mostra que o relógio mecânico fez o corpo humano pulsar de forma completamente diferente. Vale a pena recuperar um trecho de A ditadura do relógio:
Não há nada que diferencie tanto a sociedade ocidental de nossos dias das sociedades mais antigas da Europa e do Oriente do que o conceito de tempo. Tanto para os antigos gregos e chineses quanto para os nômades árabes ou para o peão mexicano de hoje, o tempo é representado pelos processos cíclicos da natureza, pela sucessão dos dias e das noites, pela passagem das estações. Os nômades e os fazendeiros costumavam medir — e ainda hoje o fazem — seu dia do amanhecer até o crepúsculo e os anos em termos de tempo de plantar e de colher, das folhas que caem e do gelo derretendo nos lagos e rios. O homem do campo trabalhava em harmonia com os elementos, como um artesão, durante tanto tempo quanto julgasse necessário.
O tempo era visto como um processo natural de mudança e os homens não se preocupavam em medi-lo com exatidão. Por essa razão, civilizações que eram altamente desenvolvidas sob outros aspectos dispunham de meios bastante primitivos para medir o tempo: a ampulheta cheia que escorria, o relógio de sol inútil num dia sombrio, a vela ou lâmpada onde o resto de óleo ou cera que permanecia sem queimar indicava as horas.
O homem ocidental civilizado, entretanto, vive num mundo que gira de acordo com os símbolos mecânicos e matemáticos das horas marcadas pelo relógio. É ele que vai determinar seus movimentos e dificultar suas ações. O relógio transformou o tempo, transformando-o de um processo natural em uma mercadoria que pode ser comprada, vendida e medida como um sabonete ou um punhado de passas de uvas. E, pelo simples fato de que, se não houvesse um meio para marcar as horas com exatidão, o capitalismo industrial nunca poderia ter se desenvolvido, nem teria continuado a explorar os trabalhadores, o relógio representa um elemento de ditadura mecânica na vida do homem moderno, mais poderoso do que qualquer outro explorador isolado ou do que qualquer outra máquina[1].
Este processo de introjeção do tempo parece ser evidente na importância que os relógios assumem, num espaço público que passa a ser interligado por pontes e controlado pelas badaladas que indicam um tempo mecânico de precisão sem precedentes. Em The Waste Land, T. S. Eliot revela o protagonismo das pontes e relógios na Inglaterra do século XIX, num trecho em que descreve uma multidão cruzando a London Bridge:
Unreal City,
Under the brown fog of a winter dawn,
A crowd flowed over London Bridge, so many,
I had not thought death had undone so many.
Sighs, short and infrequent, were exhaled,
And each man fixed his eyes before his feet.
Flowed up the hill and down King William Street,
To where Saint Mary Woolnoth kept the hours
With a dead sound on the final stroke of nine.”
(T. S. Eliot, em The Waste Land)
London Bridge: imagem do Google Earth e foto publicada no T. S. Eliot’s The Waste Land Wiki
http://tseliotsthewasteland.wikia.com/wiki/File:London-Bridge.png)
INSERIR CENA DE “THE FUTURE IS UNWRITTEN”, DE JULIEN TEMPLE (logo no início aparecem pessoas ouvindo o The Clash ao rádio, embaixo da London Bridge)
O relógio vitoriano que emitia o som surdo da última badalada de nove horas parece ter uma importância muito maior que os relógios mais tímidos (tanto que numerosos) como os que ficam espetados em quase toda esquina das grandes avenidades nas megalópoles do século XXI. A descentralização das cidades parece ser também visível no espalhamento dos relógios. Ao invés de uma torre central que dita um tempo audível por todos os moradores, agora há tempos locais repetidos em cada canto de uma cidade em que, para lembrar a descrição de Philippe Sollers para Nova Iorque, “outro lugar também é o centro”[2]. Esta pulverização do tempo é ainda mais radical quando se considera a sobreposição de fusos horários produzida pela aceleração das tecnologias em rede e seus efeitos de instantaneidade e aproximação.
Mesmo cidades menores passavam por transformações semelhantes como o belo poema de Kafka, que motiva Vilém Flusser a tratar dos temas das pontes numa leitura que busca encontrar as maneiras como Praga afeta a literatura de Kafka:
“Homens, que cruzam pontes escuras
passando junto a Santos
ornamentados por débeis luzes.
Nuvens, que correm pelo céu cinzento
passando junto a igrejas
com mil torres que condenam.
E alguém, apoiado no parapeito de alvenaria,
que olha na água da noite,
suas mãos sobre velhas pedras.”
(poema de Kafka, em tradução livre de Milton Ribeiro publicada em http://bit.ly/10Up2PO)
Ponte Carlos: imagem do Google Earth e foto da época em que Kafka vivia em Praga.
Em Cities in Modernity: representations and productions of metropolitan space, 1840 – 1930, Richard Dennis inicia sua leitura da constituição urbanística das metrópoles justamente tratando da construção de pontes. É ele que nos leva das pontes européias às pontes americanas, tratando da forma como a Brooklyn Bridge vai reconfigurar Nova Iorque. Vamos aproveitar esta ponte para lembrar uma frase de Lewis Mumford que permite entrar no assunto central desta aula, que é a relação entre pontes e obras de arte:
“Beyond any other aspect of New York, the Brooklyn Bridge has been a source of joy and inspiration to the artist.”
Lewis Mumford http://bit.ly/1cvsyEW
“In Building Dwelling Thinking on the example of the bridge, he [Heidegger] writes:
the location is not already here before the bridge is. Before the bridge stands, there are of course many spots along the stream that can be occupied by something. One of them turns out to be a location, and does so because of the bridge. Thus the bridge does not first come to a location to stand in it; rather, a location comes into existence only by virtue of the bridge /…/ By this site are determined the localities and the ways by which as space is provided for.” (Rebentisch, A of IA, 228)
1888
Uma das conseqüências conhecidas do processo de urbanização, no campo das artes visuais, é o gradual interesse nos aspectos de materialidade da pintura. O uso de cores, formas, texturas, a pesquisa com os pontos como elementos de desfoque, a geometria cada vez mais presente, primeiro como forma de romper com a perspectiva tradicional, depois como engajamento na abstração propriamente dita, são todos aspectos de um mesmo contexto. Há quem diga que se trata de uma reação ao surgimento da fotografia. Em Through the Vanishing Point: space in poetry and painting, McLuhan afirma que a fragmentação que passa a ser predominante nas experiências da vanguardas históricas, só é possível porque as pessoas passam a andar de trem. O trem, o olhar em velocidade, que recorta e une de forma desconexa trechos de paisagem para quem olha através da janela em movimento, nos ensina a ver de forma simultânea, no entendimento do teórico das mídias.
Deste ponto-de-vista, se a pintura era uma janela para o mundo, na modernidade as artes visuais passam a se tornar uma multiplicidade de janelas em seqüência, produzindo efeitos de estilhaçamento do mundo. Não deixa de ser curioso o fato de que as janelas de trem se deslocando lembram a sucessão de negativos na moviola, nas primeiras formas padronizadas de exibir filmes. É algo que qualquer pessoa que viu estes anúncios animados através das janelas de metrô percebe de maneira intuitiva.
1896
Em sentido contrário ao do olhar que McLuhan considera estimular a fragmentação nas artes visuais, o cinema surge sem perceber que as câmeras eram tão móveis quanto as imagens que produziam. A maioria das cenas do primeiro cinema são resultado de uma câmera fixa, diante de um acontecimento qualquer, que leva o teórico do audiovisual Gaudreault a usar o termo mostração, “se referindo a uma forma de diegese mimética, isto é, uma forma de relato cujo organizador não é aquele típico contador de histórias, mas sim uma espécie de encenador” (Cf. “Espetáculo, Narração: algumas características do primeiro cinema”, in: Costa, Flavia Cesarino. O primeiro cinema). Um exemplo pertinente ao tema discutido é a cena do trem que passa sobre a Brooklyn Bridge, filmada pelos irmãos Lumiére. Demorou algum tempo para que o cinema explorasse o movimento de câmera como um recurso narrativo, como visto na cena mais recente do filme Annie Hall, de Woody Allen. Antes de ser tornar pano de fundo predominante para a conversa do casal, a Brooklyn Bridge esta fora de quadro, conforme enquanto um plano médio acompanha os protagonistas do filme em sua caminhada às margens do rio Hudson.
1969
A ponte é a parte da guitarra elétrica que segura as cordas sobre os captadores. O instrumento se transformou num símbolo da forma como os equipamentos foram mudando as formas de fazer música — primeiro pela capacidade de amplificar sons em volumes inéditos, em seguida com o surgimento de pedais que modificam de forma elétrica os timbres emitidos pelo instrumento.
1975-85
http://christojeanneclaude.net/projects/the-pont-neuf-wrapped#.VbU6R3hy94k
1994
Detetor de Ausências
Rubens Mano
Arte Cidade 2 – A cidade e seus fluxos http://bit.ly/17pOktp
http://bit.ly/11NZ9EB
2001
Brooklyn Bridge Historical Travels 2001
Jonah Brucker-Cohen
http://bit.ly/zvEzHm
2002
circa 2006
Crossing the Hudson
Antonhy Mc Call
http://bit.ly/11SEnQT
trecho de artigo de Sylie Lin sobre Mc Call, em http://bit.ly/18kZe6R:
For example, his project Crossing the Hudson is based on a LED lighting system controlled by computer programs. For a whole year, the metallic structure of the Poughkeepsie Railroad Bridge over the river will be gradually lit up during the first six months before the light goes off gradually in the next six months, arriving at a total darkness in the end.
leia abaixo trecho de entrevista com Mc Call, em http://bit.ly/13eePTu:
Ross: Tell me about the bridge project.
McCALL: Crossing the Hudson. About four years ago, I was invited by Diane Shamash and her Minetta Brook Foundation to make a proposal for a work connected to the Poughkeepsie Railroad Bridge, a late nineteenth-century steel freight-train bridge that spans the Hudson River about seventy miles north of Manhattan.
Ross: What does it consist of?
McCALL: The bridge is half a mile across with a number of cantilevered sections made up of a lattice of vertical and diagonal struts. The piece called for each strut to be lined with a single continuous string of white LED lighting, such that the entire skeletal structure of the bridge was potentially represented at night by lines of light. Every single point of light that formed those lines would be connected and under the control of a single computer.
The cycle would begin on June 21, the shortest night of the year, with a completely dark bridge. The bridge would then be very slowly illuminated, inch-by-inch, beginning on the left bank and moving progressively toward the right bank. It would take six months to fully light the bridge, which would be completed by December 21, the longest night of the year.
The second half of the cycle, which would begin the following day, is the “un-lighting” of the same bridge. This time we would be starting with a fully illuminated bridge. Again beginning from the left bank and moving in the same direction as before, at the same slow pace, we would progressively extinguish the lights until, six months later, the bridge once again was dark. This would bring us back around to June 21. On the following day, the cycle would begin again.
Ross: So the cycle takes one full year?
McCALL: Yes, from June 21 until June 21 the following year. It then simply starts again, repeating year after year. The whole bridge becomes a kind of calendar. Any year you chose, on a certain date, the bridge would always be in the matching stage of partial illumination.
2008
Waterfall
Olafur Eliasson
fotos em http://www.z-mation.com/phpbb/viewtopic.php?t=1133
2009
Bridge Hypothesis
Marius Watz
2010
3-D Bridge Report#1
1024 architecture
2013
Ponte Rio Anhagabaú
Bijari
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se é preciso estabelecer um limite, mesmo que provisório, para deixar o tema das pontes e tratar de outros tópicos do semestre, se é preciso encontrar este fim que é ao mesmo tempo uma interface com os demais vetores a serem discutidos, talvez seja algo como —> circulação: cidade (espaço com limites), comunicação (espaço “ampliado”)
Em Corpo e Pedra — O Corpo e a Cidade na Civilização Ocidental, Richard Sennet aborda um aspecto sutil do surgimento da Idade Moderna, que permite um chave de leitura curiosa para o conceito de mobilidade. Naquela época, pela primeira vez, a ciência médica percebeu que o corpo não apenas desloca-se, mas também tem fluxos internos: por “mais de dois mil anos a ciência médica aceitou os princípios relativos ao calor do corpo que governaram a Atenas de Péricles. Santificado pelo peso da longa tradição, parecia certo que esse calor inato explicava as diferenças entre homens e mulheres, assim como entre seres humanos e animais. Como o surgimento da obra de William Harvey, De motu cordis, em 1628, essa certeza foi abalada. Por meio de suas descobertas sobre a circulação do sangue, Harvey deu início a uma revolução científica que mudou a compreensão do corpo”. Sennet considera que a partir deste momento surge o indivíduo moderno que “é, acima de tudo, um ser humano móvel”. Os movimentos internos do corpo reverberam no fluxo populacional: não apenas a circulação sangüínea, mas também as naus circulando mares afora marcam este início de modernidade em que o deslocamento torna-se imperativo.
Capa de De Motu Cordis, livro de William Harvey que estuda o movimento sangüíneo: circulação pode ser entendida em sentido amplo, pois refere-se tanto ao deslocamento das células pelo corpo quanto ao trânsito dos corpos pela cidade
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bônus tracks
https://vimeo.com/32344597
[1] Cf. Woodcock, George. A ditadura do relógio, in: http://www.laparola.com.br/a-ditadura-do-relogio (acessado em 30 de novembro de 2014).
[2] Sollers, Philippe. Mulheres. São Paulo: Siciliano, 1995.