Flusser e Kafka: diálogos em torno de aparelhos, funcionários e programas

Em Kafka, artigo inédito disponível no Arquivo Flusser São Paulo, Vilém Flusser inicia o texto situando o autor de O Processo por meio de dois parâmetros, geográfico e histórico. O que ele diz do escritor tcheco poderia se aplicar a si próprio, em que se pese o corte em sua vida que a barbárie nazista promove. Flusser diz que devemos procurar compreender Kafka como “judeu alemão praguense do início do século 20”. Ele explica melhor o sentido desta afirmação ao apontar a situação limite em que Praga se encontra, ao se colocar entre mundos que se cruzam da mesma forma que as pessoas cruzam a Ponte Carlos, marco arquitetônico da cidade ancestral. Para Flusser, “Kafka é um fenômeno praguense no sentido de ser produto de uma cidade localizada entre o ocidente e o oriente europeu, entre a tradição medieval e a industrialização moderna”. Ele considera os judeus como cunha e ponte nesta situação limite, já que não pertencem a nenhum dos grupos étnicos, nenhuma das formas locais de conhecimento, nem à tradição ocidental ou oriental, mas uma combinação de ambos. Desta perspectiva, Praga é a cidade ideal para o surgimento deste papel intersticial, que Flusser associa com a cultura judaica de que Kafka é um representante típico.

As pontes entre coisas e épocas são, no entendimento de Flusser, uma das marcas da cidade onde nasceu, conforme formula em Praga, a cidade de Kafka. Flusser não gostava das pontes, como explica no curto texto As pontes, que abre a edição brasileira do livro Ser Judeu. Isto não o impede de reconhecer as pontes que ligam os pólos de Praga, para constituir seu todo. São pontes físicas e pontes metafóricas, atravessando as ruas tortuosas e o rio que serpenteia dividindo os pólos da cidade. No texto, em que Flusser denomina Praga como uma cidade situada em fronteiras, ele afirma que o Rio, “com seu “S” majestoso”, forma a divisa entre os pólos”. Para ele, as pontes modernas que curazm a cidade são tentativas inautênticas de negar ou diminuir a tensão entre este pólos. Poranto, são rotas de fuga. Mas Flusser identifica uma excessão, a Ponte Carlos, a construção gótica que combina os aspectos opostos de Praga (castelo e igreja, monte e vale, realeza e burguesia, alquimia e conhecimento acadêmico, etc). Para Flusser, esses opostos expressam o contraponto entre o castelo de Kafka e a aldeia de Praga, resultando em uma situação de trânsito que liga o que ele considera os lados pequeno e grande da cidade (Flusser, 2012b: 64).

Artigo completo na revista Flusser Studies

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