três formas de entender o cinema: como narrativa, como montagem e como efeito de percepção

A chegada de um trem na estação de La Ciotat é tida como a imagem que marca o início do cinema.

https://www.youtube.com/watch?v=1dgLEDdFddk

A lenda em torno de sua exibição pública é conhecida. Espantados com o veículo que cresce em sua direção, os espectadores teriam fugido aterrorizados da sala. É pouco provável que isto tenha realmente acontecido, apesar da história das mídias ser marcadas por situações que assombram suas testemunhas.

Um caso bem conhecido é o espanto diante do Gramofone, conforme narrado por José Ramos Tinhorão.

Outro, mas complexo, e menos atrelado ao tipo de mediação envolvida, senão ao conteúdo embalada de maneira pouco própria, é o incidente em torno da transmissão de Guerra dos Mundos, na adaptação que Orson Welles faz para o rádio do romance de H. G. Wells.

Este espanto, seja ele real ou mítico, talvez seja resultado da necessidade que às vezes uma cultura acaba tendo, de conviver com processos até pouco desconhecidos. Em maior ou menor grau, passagens como as que acontecem com a invenção da escrita, da imprensa, ou da fotografia, representam momentos deste tipo.

Com o surgimento do cinema, não foi diferente. Outra cena filmada pelos irmão Lumière permite levantar o assunto um pouco mais adiante.

Se comparada a esta cena de Manhattan, filmada por Woody Allen quase um século depois, é possível pensar várias coisas a respeito dos primórdios do cinema, o que também serve como ponto-de-partida para discutir as três principais formas de pensar sobre a linguagem cinematográfica.

[photoplay = o movimento acontece diante da câmera estática

x

cinema = a câmera se movimenta e cria quadros]

muitas vezes, o simples ato de enquadrar certas imagens já conta uma história.ivan

Mas a narrativa cinematográfica foi se constituir sobretudo pela montagem, pela construção da ilusão resultante da combinação de certos elementos em cena, ou certos quadros em seqüência.

https://www.youtube.com/watch?v=-P9XE5dtwzs

Em Filme, Sonho e Outras Quimeras, Machado afirma que o “cinema, particularmente, no período que vai das primeiras sessões do quinetoscópio de Edison e do cinematógrafo de Lumière até 1908, mais ou menos, ressuscitará alquimias, inocentará a imagi- nação e se fará uma terra de ninguém”(Machado, 1997, p. 36.). Este registro fantástico foi frequentemente lido como uma reminiscência das ligações entre o cinema e o sobrenatural, algo que fica explícito nas arqueologias audiovisuais que fazem as ex- periências com imagem em movimento voltar aos domínios das fantasmagorias e lan- ternas mágicas (Stafford, 2001; Huhtamo, 2013). Nestes primórdios, o caráter sobre- natural do cinema tem um sentido diferente do que ele vai assumir posteriormente, no cinema de terror ou de ficção científica.

Méliès permite pensar este tipo de representação inverossímil, que tornou-se bastante rara no audiovisual mais recente (com exceções: por exemplo, os filmes experimentais de Björn Melhus, em que o corpo passa por modificações bastante particulares). Ao apontar algo que “incomoda profundamente” no pioneiro francês, Machado afirma que não “se sabe bem em decorrência de que perversidade satânica abundam em suas cenas as mutilações físicas mais estapafúrdias e as metamorfoses corporais mais monstruosas, mesmo quando o pretexto é o efeito cômico de extração burlesca”, lembrando que “é muito comum nesses filmes os corpos se transfigurarem, explodi- rem, crescerem desmesuradamente, perderem os membros ou desaparecerem qual fumaça no ar” (Machado, 1997, p. 37.). Ainda em Filme, Sonho e Outras Quimeras, ele afirma que o “fascínio do cinema de Méliès, aquilo que na Europa e na América mobi- lizava multidões para as salas escuras, está sobretudo nesse componente onírico de fundo psicanalítico, pois o que as massas buscavam nas féeries de Méliès e em todas as mises en scène magiques do período era aquilo justamente que em princípio não podia ser mostrado” (Idem, p.38).

E, sobretudo, a linguagem do cinema foi se constituir a partir da matriz do romance realista, conforme discutido de maneira bastante extensa em Dickens, Griffith e nós, de Eisenstein.

Este tipo de procedimento de montagem que procura ocultar seus modos de operação torna-se predominante no cinema, e inaugura toda uma tradição de discussão sobre a linguagem audiovisual pelo chave do realismo.

A ela, se contrapõe um modo de olhar baseado nos tipos de montagem definidos por Eisenstein, em que a linguagem audiovisual torna-se visível e denuncias seus próprios modos de operar.

Há também uma terceira forma, menos presente mas igualmente importante, de entender o fluxo audiovisual. É o entendimento da montagem entre imagem e som como um acontecimento sensório. Isto esta presente, de forma explícita, em Eisenstein. E Deleuze fala deste tipo de acontecimento audiovisual num trecho curto de Cinema 2.

A anamorfose como uma estranha exceção à precisão das máquinas de gerar imagens.

http://www.eventualidades.net/ernst/