voltar
“Uma afirmação feita por Adorno na ‘Teoria estética’ seja talvez a maneira mais adequada para tentar uma primeira leitura da atual proposta de José Wagner Garcia. ‘PTYX’. Escreve o pensador alemão:
“Pode-se pensar que hoje sejam talvez necessárias obras que se queimem a sim mesmas através do seu núcleo temporal, que abandonem sua própria vida no instante da manifestação da verdade e desapareçam sem deixar vestígio, sem que isso as diminua de maneira nenhuma.” (1)
A dimensão do efêmero, que emerge da idéia de Adorno, reque ulteriores elementos analíticos para poder ser compreendida em sua integridade. Efêmero e processo entrecruzam-se na teoria adorniana: a obra de arte é ser, mas devir, pois, ao mesmo tempo em que opera com a objetividade, dela se distancia. O antagonismo idêntico/não-idêntico só pode, entretanto, explicitar-se em objetos acabados, percorridos por um fluxo temporal, que não se deve eternizar, sob pena de transformar o transitório em caduco, de destruir a tensão vital, de enrijecer no tempo o que, por natureza, é perecível.
É esta tensão, que põe em xeque a duração (clássica), sem com isso negar a permanênica da obra, que informa a proposta duma ‘poética do invisível’, perseguida por José Wagner Garcia através dum processo complexo e crítico dos tradicionais hábitos perceptivos. A taça estilhaçada pela performance sonora recompõe-se metaforicamente na memória do computador e, remetida como idéia gráfica a seu ponto de origem, é reestruturada bidimensional e tridimensionalmente não como escrita mimética, mas como visualização complexa dum processo, que faz do tempo real e, portanto do efêremo, o espaço de sua duração destruição constituição.
Elemento vital de ‘PTYX’ é a simultaneidade espaço-temporal, é o jogo remissivo e circular que se estabelece entre o ponto de partida e o ponto de chegada, frustrando a dado momento a apreensão global do evento, mas emprestando-lhe um caráter lúdico que introduz a notação estética no universo tecnológico que lher serve de suporte.
O lúdico de José Wagner Garcia pressupõe, entretanto, um processo conceitual, sem o qual a destruição/recomposição diferente não passaria de experiência gratuita. A viagem da idéia-imagem atomizada e recomposta para ser reestruturada numa forma possível, a qual nega o objeto primeiro da operação, adquire uma dimensão maior porque o artista se movimenta continuamente entre o pólo da projetação virtual e aquele da experimentação de fato. A ‘poética do invisível’ corporifica-se naquele espaço vazio que intermedeia os dois pontos circulares de emissão e recepção: é ao longo da linha telefônica que o ‘imaterial’ volta a converter-se em ‘material’, se constitui novamente em forma, mas numa forma que nega a identidade, pois o projeto conceitual que rege o acontecimento tem como fim primeiro extrair dum meio altamente mimético a negação da mímese, construir uma ‘aparição’ que supere o real pela objetivação artificial.
A temporalidade de ‘PTYX’ constrói-se no espaço dialético da imagem como idéia e de sua objetivação. Se a imagem é a tentativa de deter o fugidio, o ‘brilho da aparição’, sua objetivação transforma a obra num instante, num ‘fogo de artifício’.
“Se as obras de arte como imagens são a duração do transitório, elas então se concentram na manifestação entendida como fato momentâneo.” (2)
Ao assumirmos a metáfora adorniana do ‘fogo de artifício’ como arquétipo da existência da obra de arte, poderemos perceber mais profundamente o significado das mudanças perceptivas inerentes ao projeto de José Wagner Garcia. A idéia do ‘fogo de artifício’ aparição, manifestação empírica liberada da duração, ideação e produto ao mesmo tempo, premonição, escrita que surge de repente e logo depois desaparece, que não se deixa ler pelo que significa (3) representa a relação da obra com a contemporaneidade. Reflexo do mundo empírico, a obra, ao mesmo tempo em que absorve suas contradições, objetiva mudá-lo. Por isso, o movimento de construção é contemporaneamente um movimento de explosão: a antítese é a prefiguração do possível.
Em ‘PTYX’, o percurso da explosão (do objeto) construção (da imagem) explosão (da mímese) é o eixo direcional da performance estético-tecnológica. Enquanto a percepção global é frustrada pela própria estrutura do evento que acontece em dois lugares diferentes, enquanto a imagem se estrutura a partir do vazio, da ausência do referencial mimético, surge um novo tipo de percepção parcelada, mas ubíqua, fragmentária, mas simultânea, que irá encontrar na dimensão holográfica (4) um tipo possível de configuração, uma especulação conceitual construída com os elementos primeiros da visualidade, imbricados com um espaço-tempo que não é o ‘aqui e agora’ da fruição tradicional.
Ao transitar pelo tempo e pelo espaço num suporte imaterial como a linha telefônica, ‘PTYX’ instaura um jogo remissivo dos mais estimulantes: a obra é e não é, está e não está, é uma ausência na presença, uma temporalidade cuja continuidade é deconsruída e construída simultaneamente, e uma explosão que visa outra explosão rumo à configuração duma ‘poética do invisível’ que se explicita ainda no visível, rumo à configuração dum possível que faz vislumbrar muitos mais possíveis, constituídos de pontos, linhas, planos, cores.
texto de Annateresa Fabris
(1) T. W. Adorno, Teoria estética (??????, 1977), p. 298
(2) Ibid, 142-3
(3) Ibid, 137
(4) Embora a imagem holográfica não apareça explicitamente como produto final do evento ele, no entanto, está presente como a dimensão conceitual que fundamenta o processo pela preseça constante da freqüência 652.7 Hz.”