“Nacional por Subtração”
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Havelock e o pressuposto de que o mundo do pensamento grego muda radicalmente com a passagem da cultura oral para a cultura escrita (e que, portanto, é possível assumir que a cultura tem diferentes “modos” de funcionamento, que mudam conforme surgem novas tecnologias)
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Benjamin (Escritos sobre Mito e Linguagem, p. 53), Peirce (a Semiótica como um processo recursivo em que diferentes linguagens se articulam), McLuhan (Galáxia de Gutenberg, p. 15); Sennet (Carne e Pedra, Corpos Cívicos)
“Em geral, a forma dos espaços urbanos deriva de vivências corporais específicas a cada povo – este é o meu argumento em Carne e pedra. Nosso entendimento a respeito do corpo que temos precisa mudar, a fim de que em cidades multiculturais as pessoas se importem umas com as outras. Jamais seremos capazes de captar a diferença alheia enquanto não reconhecermos nossa própria inaptidão. A compaixão cívica provém do estímulo produzido por nossa carência, não pela boa vontade ou retidão política /…/ A história pagã a respeito dessa verdade antiga converge para a experiência dos corpos nas cidades. Em Atenas, a ágora estimulava fisicamente as pessoas, ao preço de privá-las de um discurso mutuamente coerente; a Pnix garantia a continuidade do discurso e experiências de narrativa lógica, mas ali os indivíduos se tornavam vulneráveis à retórica. As pedras desses dois espaços urbanos impunham um estado de alternância, pois cada um deles era fonte de uma insatisfação que só o outro resolvia – o que gerava ainda mais inquietação”.
trecho de “Corpos Cívicos”, de Richard Sennet, texto publicado em Carne e Pedra – O corpo e a cidade na civilização ocidental. Rio de Janeiro, Edições BestBolso, 2008
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Em Cultura das Mídias, Santaella formula o conceito de “rede entre as mídias”, ao mostrar como alguns destes autores sugerem uma configuração em que as linguagens pouco a pouco conectam-se entre si, aumentando a complexidade dos processos de comunicação. Posteriormente (Culturas e Artes do Pós-Humano?), ela vai propor os seguintes “modos” de funcionamento da cultura:
(a) Oral; (b) Escrito; (c) Impresso; (d) “Analógico” (ela usa o termo Cultura de Massa); (e) Eletrônico; (f) Numérico (ela usa o termo Digital)
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“Modest methodological proposal for the cultural-historical dialectic. It is very easy to estabilish oppositions, according to determinate points of view, within the various “fields” of any epoch, such that on one side lies the “productive”, “forward-looking”, “lively”, “positive” part of the epoch, and on the other side the abortive, retograde, and obsolescent. The very contours of the positive element will appear distinctly only insofar as this element is set off against the negative. On the other hand, every negation has its value solely as background for the delineation of the lively, the positive. It is therefore of decisive importance that a new partition be applied to this initially excluded, negative component so that, by a displacement of the angle of vision (but not of criteria!), a positive element emerges anew into it too — something different from that previously signified. And so on, ad infinitum, until the entire past is brought into the present in a historical apocatastasis.” (Walter Benjamin, The Work of the Arcades, N 1a,3)
“Seria possível observar duas revoluções fundamentais na estrutura cultural, tal como se apresenta, de sua origem até hoje. A primeira, que ocorreu aproximadamente em meados do segundo milênio a.C, pode ser captada sob o rótulo ‘invenção da escrita linear’, e inaugura a História propriamente dita; a segunda, que ocorre atualmente, pode ser captada sob o rótulo ‘invenção das imagens técnicas’ e inaugura um modo de ser ainda dificilmente definível.”(Vilém Flusser, Filosofia da Caixa Preta, p. 14)
“O digital tornou-se análogo à fórmula dos alquimistas para o ouro, sendo dotado de poderes infinitos de transformação. Todas as coisas digitais prometiam mais do mesmo para os que já possuíam riqueza e poder; e os que não possuíam nada poderiam tomar parte dessa revolução não sangrenta sem sujar as mãos. Os governos e as administrações abriam seus cofres quando a palavra mágica — ainda melhor se ligada ao destino fatídico da internet — aparecia em pedidos de subvenções.” (Siegfried Zielinski, Arqueologia da Mídia, p. 50)
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Por ser múltipla, a verdade não é dupla; e, como em vossa política
ampliastes os direitos e os benefícios, estabelecestes nas artes uma
comunhão maior e mais abundante;
Burgueses, vós — rei, legislador ou negociante — instituístes
coleções, museus, galerias. Algumas daquelas que há dezesseis anos
só estavam abertas para os monopolizadores, alargaram suas portas
para a multidão.”
(Charles Baudelaire, Salão de 1846)
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Após a Revolução Industrial, a cidade torna-se o espaço em que a cultura mais fervilha, e na cidade não é mais possível impedir a convivência entre o erudito e o popular, de que o artista francês Toulouse-Lautrec é um exemplo contundente. Toulouse-Lautrec é uma referência importante tanto para a história das artes plásticas quanto para a história do design. Por esse motivo, talvez ele possa ser entendido como o primeiro dos artistas visuais, uma figura híbrida que desestabiliza classificações com uma prática situada entre duas esferas de produção que até hoje oscilam entre a atração e a distância prudente. Em O cartaz na Paris fim de século: “Aquela arte volúvel e degenerada”, Marcus Verhagen mostra de forma eloquente este lugar desconfortável que o design ocupa (aparentemente como uma forma de receber os reflexos do estranhamento provoca):
“Em termos morais e políticos /…/ o cartaz era nitidamente suspeito. Ele era, escreveu d’Avenel, uma presença intrusa na cena pública, estimulando a vaidade do homem e incitando os sentidos /…/ Ao associá-lo ao processo democrático e ao rejeitar a visão de que ele era uma arte autônoma, d’avenal estava expressando a preocupação com que o surgimento da cultura de massa foi recebido nos círculos conservadores.” (p. 133)
“O anúncio de Lautrec é retratado com um mediador constrangido entre comunidades que eram polos separados social e politicamente. O cartaz era o resultado da “mistura mais íntima das classes”, escreveu d’avenal, e assim ele aparece aqui — esse é o preço que paga por sua elevação artística.” (p. 138)
Apesar das reações veementes, e da rejeição ou escândalo iniciais, o cartaz aos poucos passa a ser absorvido. Verhagen aborda, por exemplo, o início do colecionismo da produção gráfica paraense, e sua gradual inserção no meio publicitário — inicialmente associada à vida boêmia de bairros como Montmartre: “A vida boêmia proporcionou um campo de teste e um conjunto de talentos para o negócio da publicidade”, p. 134.
Nesse contexto, cabe lembrar, por exemplo, que o romance (tido como a principal forma culta do século XIX) está intimamente ligado ao jornalismo. Balzac e Machado de Assis publicaram seus livros primeiro em folhetins, na forma de histórias seriadas que exerciam um papel semelhante às telenovelas de hoje, de agregar as pessoas em torno de uma narrativa compartilhada. Edgar Allan Poe modernizou as histórias de terror e detetive, uma escolha que implicou numa recepção crítica inicialmente polêmica (o que mudou com a atuação de Baudelaire como tradutor de seus poemas). É um momento de trânsito entre o domínio da arte e da literatura e um fazer transformado em mercadoria de difusão urbana. Baudelaire também enveredou por este aspecto da passagem do século XIX ao XX, em uma crônica em que mostra o processo de trabalho de um jovem Balzac que se divide entre o empreendedorismo e a literatura (Balzac supostamente trabalhava com equipes que preparavam seus livros).
A famosa polêmica baudelaireana em torno dos Salões de 1845 e 1846 — que, de certa forma, antecipa a postura de Benjamin contra a discussão do estatuto da fotografia como arte ou objeto descartável, e em favor do entedimento do que quer e pode a linguagem fotográfica— sintetiza a progressiva e gradual queda da fronteira entre erudito e popular, conforme a Revolução Industrial completa seu ciclo, e as cidades tornam-se o centro da relações culturais, políticas, sociais e econômicas. Dois temas relevantes para entender os desdobramentos da cultura contemporânea aparecem nestes textos: a democratização da cultura; o surgimento das linguagens tecnológicas.
Walter Benjamin, em “O narrador. Considerações sobre a obra de Nikolay Leskov”, considera que se trata de uma passagem do mundo da sabedoria ao mundo da informação. Benjamin é um dos principais comentadores dos movimentos culturais que marcam a passagem do século XIX ao XX. No já citado “O narrador”, ele opõe a narrativa ao romance, estabelecendo um elo entre a narrativa e um saber ligado à participação do narrador na experiência do que relata, e o romance à prática da transmissão de informação:
“O narrador retira da experiência o que ele conta: sua própria experiência ou a relatada pelos outros. E incorpora coisas narradas à experiência dos seus ouvintes. O romancista segrega-se. A origem do romance é o indivíduo isolado, que não pode mais falar exemplarmente sobre suas preocupações mais importantes e que não recebe conselhos nem sabe dá-los”. (Benjamin, 1996: p. 201)
Isso acontece porque a narrativa remonta à tradição oral, e se constitui enquanto uma forma de saber sem compromisso com o “ensinamento”. Já o romance consolida-se após a invenção da imprensa, comprometido com a transmissão de informação, conforme desenvolvido a seguir:
“O romance, cujos primórdios remontam à Antiguidade, precisou de centenas de anos para encontrar, na burguesia ascendente, os elementos favoráveis a seu florescimento. Quando esses elementos surgiram, a narrativa começou pouco a pouco a tornar-se arcaica; sem dúvida, ela se apropriou, de múltiplas formas, do novo conteúdo, mas não foi determinada verdadeiramente por ele. Por outro lado, verificamos que com a consolidação da burguesia — da qual a imprensa, no alto capitalismo, é um dos instrumentos mais importantes — destacou-se uma forma de comunicação que, por mais antigas que fossem suas origens, nunca havia influenciado decisivamente a forma épica. Agora ela exerce essa influência. Ela é tão estranha à narrativa como o romance, mas é mais ameaçadora e, de resto, provoca uma crise no próprio romance. Essa nova forma de comunicação é a informação” (Benjamin, 1996: p. 202)
Benjamin insere-se num grupo de autores que demonstram como o lugar de certos fazeres técnicos (a fotografia, o cinema, hoje em dia a Internet) modelam aspectos da sociedade em que estão inseridos. Havelock, McLuhan e Flusser também abordam o entrelaçamento entre tecnologia, sociedade e cultura deste ponto-de-vista. Em comum, todos compartilham o esforço por entender momentos de passagem, especialmente rupturas radicais que surgem no âmbito de reconfigurações intensas dos regimes de signos existentes num determinado momento. São abordagens que buscam fazer uma crônica do presente, com uma aspecto materialista explícito, ao reconhecer o papel dos objetos no engendramentos dos processos da vida humana.
Em debates mais contemporâneos sobre a linguagem, há tentativas de sistematizar categorias de análise relacionadas com abordanges do tipo. Por exemplo, os conceitos de ‘formação cultural’ e ‘formação discursiva’. Para vários estudiosos da linguagem, o conceito de formação discursiva serve como mecanismo para inserir o contexto econômico e cultural na análise do processo de produção de sentido — como, quando Michel Pecheux defende ser preciso entender as “condições de produção do discurso” ao fazer a análise de um texto, ou quando Michel Foucault propõe descrever um formação discursiva, entre um certo número de enunciados em que se puder definir uma regularidade (uma ordem, correlações, posições e funcionamentos, transformações) – cf. para uma explicação menos simplificada, ‘Arqueologia do Saber’, pp. 43-44).
Um elemento marcante na maioria destes autores é uma certa desconfiança das metodologias estáveis. Adorno atribui este tipo de escrever à prática do ensaio, mas hoje em dia este forma de abordar o mundo a partir de suas contradições e provisoriedades tornou-se aceita de forma mais ampla nos circuitos de produção do conhecimento. Não se trata apenas de uma postura metodológica, mas de um esforço para descrever fenômenos cuja complexidade e mutabilidade desautoriza sistematizações definitivas. Decandanto algo desta complexidade é possível observar, em recorte cronológico, uma sucessão gradual, progressiva, de processos de mediação. Seria possível propor uma sucessão de formações culturais cujo aspecto panorâmico permite estabelecer um ponto de partida — menos eficiente quando o objetivo é descrever o tecido amplo de relações entre tecnologia e cultura, mais eficiente quando o objetivo é entender essas relações num âmbito mais circunscrito aos efeitos de linguagem dela resultantes.
“A telegrafia encolhia o tempo necessário para a transmissão das informações, transpondo grandes distâncias em não mais do que um instante. A telefonia complementou a telegrafia por meio de trocas vocais em tempo real. A vitrola e os discos tornavam o tempo permanentemente disponível, na forma de gravações sonoras. A câmara cinematográfica apresentava a ilusão de ser capaz de enxergar os corpos em movimento, algo que a fotografia capturara como retratos. No filme, o tempo que passou tecnicamente foi tornado repetível à vontade; a seta do tempo de um evento ou processo podia ser revertida; períodos de tempo que se tornaram informação visual podiam ser reproduzidos, expandidos ou acelerados. A televisão eletromêcanica combinava todos esses conceitos em um novo meio, e a televisão eletrônica deu um passo além. O tubo de raios catódicos de von Braun registrava imagens ponto por ponto e linha por linha. Na câmera eletrônica, um microelemento da imagem se torna uma unidade de tempo, que pode ser manipulada. Na gravação eletromagnética dos elementos audiovisuais, o que pode ser visto e ouvido pode ser armazenado ou processado nas menores partículas, ou em grandes pacotes. O corte, a colagem e a substituição, basicamente inventados pelos primeiros vanguardistas do século XX, tornaram-se técnicas culturais avançadas. Os computadores representaram uma intervenção mais refinada e mais efetiva nas estruturas temporais, assim como — equivalente à televisão — a síntese de diversas tecnologias numa monomídia. Na internet, todas as mídias anteriores convivem lado a lado. Essas mídias também continuam a exisitir independentemente das máquinas e dos programas conectados em rede e, de vez em quando, entram em contato entre si /…/ O campo de estudo não pode abarcar todo o processo de desenvolvimento; a investigação de diversas épocas históricas tem o objetivo de possibilitar a clara emergência dos pontos decisivos no processo de desenvolvimento.” (Siegfried Zielinski, Arqueologia da Mídia, p. 49)
Ainda que a forma adotada para descrever as fusões linguagens e mídias varie conforme o autor consultado, o que revela diferentes tipos de ênfase e nuances possíveis em seu entendimento, é ponto pacífico que o processo de convergência das mídias está atraleado à passagem da cultura mecânica à cultura digital, assim como o vínculo deste a um movimento de convergência de matrizes técnicas, semióticas e culturais, que funcionam como vetores do processo. O principal aspecto a ser levado em conta é a crescente granularidade das linguagens: na passagem do analógico ao eletrônico, e deste ao digital, as unidades mínimas de produção de sentido tornam-se cada vez mais moleculares (algo que pode ser relacionado com os rumos da ciência contemporânea, a física atômica, depois as nanotecnologias, etc).
Um dos modelos melhor desenvolvidos (especialmente no que toca à documentação das diversas etapas que levam da publicação do primeiro jornal ao sucesso dos computadores pessoais), está em “Understanding Hypermedia 2000”, de Bob Cotton e Richard Oliver.
Neles, os autores definem a hipermídia como resultado de um processo histórica de fusão entre mídias que remonta ao ano de 1702, quando o Daily Courant, primeiro jornal londrino, e mais antigo do mundo, é publicado.A trajetória proposta por Bob Cotton e Richard Oliver não é completamente linear. Além disso, ela concentra atenção no desenvolvimento tecnológico e nas fusões entre os diversos dispositivos que vão convergir para o computador. Esse aspecto do problema é importante, na medida em que revela como o suporte oferece resistência à linguagem, quando faz sua mediação. A representação gráfica desta passagem das mídias permite perceber como as fusões entre essas “matrizes da hipermídia” acontecem de forma cada vez mais intensa em veloz com o passar dos anos.
media chronofile (1700 – 1965), de richard oliver e bob cotton
media chronofile (1970 – 1999), de richard oliver e bob cotton